Pratos de Guerra – Pratos de Paz

Ao reflectir sobre a história dos pratos de Guerra na cerâmica de Alcobaça, rapidamente se estabelece um claro paralelismo com a actualidade, reforçando a sua pertinência artística e cultural.

O estado de guerra, tal e qual como nos anos 40, embora geograficamente distante, é vivido e sentido quase como um pesadelo em abstracto. Porém, os sinais práticos –sobretudo dado o impacto económico - não espelham a enormidade da catástrofe que é viver sob guerra. É a capacidade humana da empatia que nos permite um vislumbre do sofrimento alheio e que quase nos culpabiliza por estarmos seguros em casa e por sabermos seguros os nossos.

Durante períodos de guerra – ou em qualquer estado limite de desespero – a religião ressurge como um pilar de suporte emocional e espiritual. Os ícones religiosos, como a Virgem Maria, assumem um papel central nas práticas devocionais, oferecendo consolo e esperança no meio do caos. Neste primeiro prato, A Virgem Maria é assim escolhida pela simbologia que traz, deixando a mensagem aparentemente apaziguadora de que “Tudo Passa”. A fonte do lettering – fruto do logotipo das bonecas Barbie dos anos 90 – reforça o carácter jocoso desta inocente mensagem, pois sabemos que nem #tudovaificarbem.

Para além deste apelo místico, há a magia da dissociação e da fuga (talvez uma das funções da Arte?). Fuga para paisagens idílicas, lugares de paz e serenidade. Campos floridos e cenas bucólicas inspiradas em paisagens alpinas (igualmente longínquas), harmoniosas, que criam uma visão idealizada do mundo, familiar e segura. Tão familiar, que frequentemente são motivos da loiça decorativa de Alcobaça, rodeados de floreados e arabescos coloridos. Porém, no segundo prato, esta paisagem perde a cor, sendo alvo de um bombardeamento. O fogo destruidor, esse, é o único elemento com cor. Mais uma vez, sendo um prato de guerra, este traz uma mensagem claramente irónica: “La Dolce Vita”, a de quem apenas observa placidamente e não vive este horror.

O terceiro prato recupera, a azul cobalto, a imagem do momento paradigmático em que a inteligência humana foi utilizada em prol da sua potencial autodestruição, a bomba atómica. O “esponjado” típico da pintura de céus é utilizado aqui para modelar este cumulus devastador. Após este instante limite, já só resta gritar impacientemente “Bitch, Peace”, pois a trégua já tarda.

Com esta tríade de pratos de guerra foi possível casar a estética e a técnica presentes na loiça tradicional de Alcobaça com o contexto perturbador actual, outrora também vivenciado pelos operários das fábricas e oficinas da região aquando da segunda guerra mundial. Tal aconteceu graças à generosa partilha de conhecimento por parte do Sr. João Xavier, da Jomaze, Ltd.